O que fazer no RIO DE JANEIRO

cultura e lazer

onde

quando

VISÃO

A BALEIA

por DANIEL SCHENKER - crítico de teatro

01/jul | 2025

Teatro Adolpho Bloch

Link para o vídeo

2174

ABaleia, peça do norte-americano Samuel D. Hunter, é bastante reconhecível, tanto em relação aos temas apresentados quanto à construção dramatúrgica. Abordando os últimos dias de vida do professor Charlie, com movimentação limitada pela obesidade, o texto destaca as diferentes interações entre ele e personagens que passam, com frequência, por seu cotidiano: a amiga e enfermeira, que insiste para que se interne no hospital, sem, porém, deixar de satisfazer suas vontades; a filha, que destila amargura como reação à falta de contato no decorrer dos anos; a ex-mulher, que justifica o prolongado afastamento; e um missionário dividido entre o fervor religioso e a quebra de uma moral arraigada. Em medida considerável, os personagens se mostram confinados, seja geograficamente (como Charlie, impedido, pela condição física, de sair de casa), seja emocionalmente (a filha e o missionário, mais resistentes em suas posturas, e a ex-mulher que, por razões diversas, estendeu o distanciamento entre pai e filha).

Filiada à vertente realista, a peça não se restringe a uma descrição dos acontecimentos no presente. O passado de Charlie se impõe com força. Há um personagem invisível, mas onipresente (o falecido namorado de Charlie), e eventuais descobertas que vêm à tona ao longo do texto. Em termos de estrutura, a maioria das cenas consiste em conversas ou confrontos entre Charlie e outro personagem (com exceção de passagens em que D. Hunter reúne mais de duas figuras). Minimizando apenas parcialmente o tradicionalismo da peça, o autor promove articulações diretas entre a jornada de Charlie e referências precisas – Moby Dick, monumental romance de Herman Melville, e a parábola bíblica de Jonas e a Baleia.

À frente da montagem atualmente em cartaz no Teatro Adolpho Bloch, Luís Artur Nunes não evitou um certo nivelamento na temperatura das cenas durante o espetáculo. Mas, em comparação com a versão cinematográfica assinada por Darren Aronofsky, o diretor secou, oportunamente, o potencial melodramático do texto. Além disso, não cedeu aos atrativos de uma concepção estética embelezada. As criações que constituem a montagem – cenografia (de Bia Junqueira), figurinos (de Carlos Alberto Nunes) e iluminação (de Maneco Quinderé) – seguem à risca o retrato traçado pelo autor acerca da realidade de Charlie e dos demais personagens. A ambição de arrebatar o público no campo visual fica concentrada no impacto propiciado pela cena final. Priorizando cores neutras, o cenário traz elementos do ambiente do protagonista – em especial, o sofá, onde passa quase todo o tempo – e por sugestões da arquitetura da casa. Uma espécie de plataforma suspensa e inclinada serve como solução às cenas em que Charlie interage, de modo virtual, com os alunos. A trilha sonora de Federico Puppi produz uma sensação de ameaça.

No que diz respeito ao elenco, Luís Artur Nunes conseguiu um resultado bem equilibrado. José de Abreu, mesmo num personagem voltado para uma linha de interpretação pautada pela composição física (movimentos reduzidos, respiração ofegante), projeta o autoabandono emocional de Charlie, sem perder de vista as ocasionais aberturas para o humor. Luísa Thiré desenha, com clareza, o conflito da dedicada enfermeira, que oscila entre a extrema preocupação com a saúde de Charlie e a disposição em possibilitar que ele tenha prazer em seus instantes derradeiros. Alice Borges, em breve participação, valoriza, com sutileza, o misto de sentimentos no reencontro com o ex-marido – o espanto diante de seu corpo, a lembrança da mágoa pela separação, o espaço para uma dose de afeto – e comprova o ajustado timing de comédia no embate com a filha. Gabriela Freire dimensiona a revolta da filha, uma personagem desenvolvida na peça com menos colorido dramático. Eduardo Speroni faz o conturbado missionário estabelecendo contracenas distintas e fluentes com os personagens.

A Baleia é uma peça norteada por revelações, a exemplo do momento em que Charlie expõe aos alunos seu corpo até então ocultado. As revelações também se manifestam por meio de explicações fornecidas em sucessivos acertos de contas. São, nesses casos, inseridas para gerar alguma surpresa na plateia e mais confirmam do que subvertem a adesão do texto a determinadas convenções dramatúrgicas. De qualquer maneira, a montagem fisga o público não só pelos apelos da peça, mas por interpretações adensadas e por contribuições artísticas propositivas.

◼️ A BALEIA
⏰ qui, sex, sáb, 20h | dom, 18h
até 26/jul
🏠 Teatro Adolpho Bloch - R. do Russel, 804 - Glória
14 anos | 1h40

José de Abreu volta aos palcos após mais de uma década na versão brasileira da peça A Baleia, de Samuel Hunter.
O espetáculo, que inspirou o filme homônimo premiado com o Oscar, aborda a história de um professor recluso que busca se reconectar com a filha.
▪️Direção: Luís Artur Nunes
▪️Com José de Abreu, Luisa Thiré, Gabriela Freire, Eduardo Speroni, Alice Borges

A partir de R$ 25

Teatro Adolpho Bloch - Rua do Russel, 804 - Glória

VISÃO

PRIMA FACIE

por DANIEL SCHENKER - crítico de teatro

09/jun | 2025

Teatro Clara Nunes

Link para o vídeo

2058

Prima Facie, peça de Suzie Miller, tende a afetar o público por meio da contundente denúncia de um sistema perverso que protege os homens diante de violências cometidas contra as mulheres. A autora concebeu uma estrutura claramente dividida em duas partes, cada uma representativa dos polos emocionais – a segurança decorrente das sucessivas conquistas profissionais e a vulnerabilidade gerada por um fato traumático – vivenciados pela personagem, a advogada Tessa.

Ela cruza de um extremo ao outro, da posição de ataque à de vítima, de maneira brusca. A transição é demarcada por uma passagem de tempo. O espectador é informado sobre ela através de recurso de projeção, no fundo do palco. Trata-se de um lapso de tempo, “não um intervalo e sim um hiato, uma fenda”, entre a cena anterior e o que virá a seguir. Esse hiato é um ponto enigmático, que pode assinalar, além da realidade objetiva, uma sensação subjetiva dentro de um texto, de resto, sempre direto. Tessa se refere ao choque que sofreu como acontecimento ocorrido poucas horas antes (portanto, não teria havido intervalo de tempo significativo). Mas depois a personagem menciona um arco temporal (“763 dias”, ela diz), destacando o prolongamento de sua via-crúcis existencial.

Seja como for, a fenda desponta como um símbolo. É através dela que Tessa, confrontada com a própria impotência diante da injustiça do mundo, consegue continuar sua jornada. A importância dessa brecha, determinante à sobrevivência da personagem, ganha visualidade concreta na montagem de Yara de Novaes por meio de uma pequena abertura no espaço cenográfico. Os conteúdos do texto surgem traduzidos, materializados, nos diversos setores de criação que integram a encenação. Por isso, o espetáculo, em cartaz no Teatro Adolpho Bloch, não se restringe à transmissão ao público de uma relevante mensagem de alerta, o que seria limitado sob o ponto de vista artístico.

O cenário de André Cortez traz elementos de ambiente corporativo – cadeiras, bancos, mesas, latas de lixo – em disposição vertical que realça a hierarquia das relações e a ambição de ascensão profissional/social. A alteração na disposição desses componentes da cena, na segunda parte do espetáculo, acompanha a abrupta mudança atravessada pela personagem. Os painéis de fundo sugerem uma solidez, não por acaso, desestabilizada à medida que a narrativa avança. E cabe chamar atenção para o equilíbrio cromático e a expressiva valorização de cores neutras (cinza, caramelo).

Os figurinos de Fabio Namatame são facilmente manipulados por Débora Falabella em rápidas trocas durante a apresentação. O predomínio do preto contrasta de modo intencional com a blusa rosa, que destoa da sobriedade do restante das roupas de Tessa. Tanto a blusa quanto a sobreposição desconjuntada de peças do figurino evidenciam o desajuste que a personagem sente de dado momento em diante. A iluminação de Wagner Antonio recorta o espaço – parede e chão – em formas geométricas, diminui de intensidade nas exposições das experiências mais íntimas de Tessa e se torna fria, dura, na revelação do trauma. Nesse instante – e na conclusão –, a atriz fala o texto no proscênio, indicando quebra brechtiana, mas sem se distanciar da personagem. A trilha sonora de Morris pontua a gravidade do ato que leva à virada de Tessa.

Débora Falabella interpreta Tessa numa peça estruturada como narração vivenciada. A personagem relata ao leitor/espectador (e, numa cena, para a câmera) aquilo que passou, mas sem afastamento emocional. A atriz demonstra admirável fluência e fôlego surpreendente na condução do texto. Constrói Tessa – sua firmeza e fragilidade – com exatidão e insere eventuais composições vocais de personagens circunstanciais sem enveredar pelo virtuosismo. Ao domínio da palavra, Débora Falabella acrescenta breves passagens de movimentação corporal desenvolta, especialmente na primeira parte da peça, quando a personagem ainda sustenta seu universo de certezas.

A dramaturgia de Prima Facie guarda possíveis conexões com outro espetáculo realizado por Yara de Novaes e Débora Falabella (mas tendo ambas como atrizes, sob a direção de Grace Passô): Contrações, texto de Mike Bartlett. Mesmo que em proporções distintas, nas duas peças a fronteira entre o público e o privado é demolida e a intimidade, devassada. Particularmente nessa nova montagem, as questões abordadas não ficam circunscritas ao plano do discurso. O texto se estende aos demais componentes da encenação e também aparece corporificado no trabalho da atriz.

https://www.danielschenker.com.br

◼️ PRIMA FACIE
Drama | Dir. Yara de Novaes | 12 | 90'
Texto de Suzie Miller
Com Débora Falabella

⏰sex, sáb, 20h | dom, 19h
estreia dia 27/jun
A partir de R$ 19,80

Teatro Clara Nunes - Shopping da Gávea - Rua Marquês de São Vicente, 52/3º - Gávea

VISÃO

FÉRIAS

por DANIEL SCHENKER - crítico de teatro

09/jun | 2025

Teatro Claro Mais RJ

Link para o vídeo

2059

O jogo teatral está na base da proposta de um espetáculo como Férias. Jô Bilac investe num enredo simples, que não fere a verossimilhança e nem gera estranhamento no público, apesar de centrado num momento de excepcionalidade na vida de um casal: ao ganharem dos filhos uma viagem de navio, o marido e a esposa dão vazão a peripécias libertárias, que se estendem depois do cruzeiro. Mas o autor desconstrói, com certa frequência, as situações, de modo a lembrar a plateia que se trata de uma peça, de uma brincadeira cênica.

Na encenação dirigida por Enrique Diaz e Debora Lamm, atualmente em cartaz no Teatro Claro Mais, essa concepção é reforçada por meio de registro interpretativo expansivo e popular de Drica Moraes e Fabio Assunção, que, em constante agitação corporal (direção de movimento a cargo de Marcia Rubin), quebram a quarta parede para breves interações com o espectador. A comunicabilidade e o caráter lúdico também se manifestam nas demais contribuições artísticas da montagem, como a pista de skate da cenografia de Dina Salem Levy, que realça o espírito de aventura dos personagens e favorece as possibilidades de extrair humor de circunstâncias físicas, e as roupas e os adereços acrescidos aos trajes básicos (figurinos de Antônio Medeiros) que colaboram para a comicidade dos diversos incidentes. A iluminação de Wagner Antonio alterna, de maneira marcante, a luz aberta da comédia com passagens mais buriladas.

Jô Bilac cria personagens individualizados e, por outro lado, simbólicos – tanto os protagonistas, denominados H e M, como os coadjuvantes, X e Y. Por meio da despretensão, evidencia questões referentes ao relacionamento do casal que rompe com a acomodação do cotidiano e com um padrão de comportamento pré-estabelecido e se permite viver de forma impulsiva, sem regras morais restritivas. Bilac, porém, não deixa que a “seriedade” se instale; prioriza a interatividade cômica. Não haveria problema, mas o autor demonstra considerável dificuldade para desenvolver a peça. Depois que os personagens são expulsos do cruzeiro, os episódios em torno de experiências sexuais soam muito parecidos e o resultado em termos de humor decresce, por maior que seja o empenho dos intérpretes para mantê-lo em alta voltagem.

Drica Moraes e Fabio Assunção narram – descolados, através de comentários – a vertiginosa jornada de seus personagens e a “vivenciam”, seguindo uma determinada linha de atuação. Entretanto, ainda que entrosados, Drica se destaca pelo aproveitamento expressivo do corpo e pelo timing preciso, ao passo que Fabio apresenta trabalho mais linear, em especial pelo fato de falar num mesmo diapasão, sem variedade na inflexão vocal. As cenas de conexão direta com a plateia servem mais para sublinhar o artifício do acontecimento teatral do que para imprimir graça ao espetáculo.

A direção conjunta de Enrique Diaz e Debora Lamm se justifica, a princípio, pela oportunidade de complementação. Enrique tem longa parceria com Drica Moraes no teatro – integraram a Companhia dos Atores, ele como diretor e ela como atriz – e conduziu encenações norteadas por desafios de linguagem. Debora se notabilizou, principalmente como atriz, no campo da comédia, terreno que começou a exercitar como diretora. Em todo caso, a junção de esforços é excessiva, tendo em vista as limitações do material dramatúrgico.

Férias é um espetáculo que ambiciona envolver o espectador com os quiproquós dos personagens e, ao mesmo tempo, desarmar a instância ficcional para frisar que aquilo que se desenrola é “apenas” teatro – proposição que chega ao ápice na descontraída cena final. Mas a peça esgota o potencial de diversão bem antes do encerramento, fragilidade que o elenco e a direção, em que pese a dedicação coletiva, provavelmente não teriam como superar.

https://www.danielschenker.com.br

◼️ FÉRIAS
Comédia | Dir. Enrique Diaz e Debora Lamm | 14 | 80'
Texto de Jô Bilac.
Com Drica Moraes e Fabio Assunção
⏰sáb, 18h e 20h30 | dom, 18h
A partir de R$ 50

Teatro Claro Mais RJ - Rua Siqueira Campos, 143 - Copacabana

VISÃO

DIAS FELIZES

por DANIEL SCHENKER - crítico de teatro

05 a 22/jun | 2025

Fundição Progresso

Link para o vídeo

1991

Ao longo da sua jornada, a Armazém Companhia de Teatro vem sendo norteada, em grau considerável, pela alternância entre montagens de textos escritos dentro do próprio grupo – assinados pelo diretor Paulo de Moraes em parceria com o dramaturgo Mauricio Arruda Mendonça – e de peças clássicas. Encenação do original de Samuel Beckett em cartaz na Fundição Progresso, Dias Felizes pertence ao segundo bloco. Mas nos projetos centrados em repertório consagrado, a Armazém não deixa de afirmar sua autoria por meio de proposições inventivas em relação às obras. Além disso, independentemente das escolhas dramatúrgicas, determinadas características, como o trabalho físico vigoroso do elenco, atravessam os espetáculos.

O corpo é um ponto de conexão entre a linguagem da Armazém e os textos do irlandês Beckett, que, tanto nas peças mais desenvolvidas quanto nas curtas, destaca as limitações e as especificidades físicas dos personagens. É o caso da Winnie de Dias Felizes, sugada pela terra à medida que a peça avança. Desse modo, a valorização do corpo não se dá através da livre expansão pelo espaço, da virtuosística demonstração de habilidades. Ao contrário, os movimentos se tornam cada vez mais reduzidos – no primeiro ato, Winnie aparece da cintura para cima e no segundo, apenas sua cabeça fica fora da terra. Para a atriz que interpreta a personagem é um desafio, e não uma facilitação.

Na obra de Beckett, o importante não está “tão-somente” no que o espectador vê, mas também naquilo que permanece interditado ao olhar, como uma parte do corpo de Winnie. A criação do figurino (de Carol Lobato) não se restringe à parcela exposta do corpo, mesmo que a totalidade da roupa só seja integralmente revelada no encerramento do espetáculo, quando a atriz se desprende da estrutura cenográfica. O figurino sugere certa proximidade com uma linha clownesca. O afastamento do real desponta ainda na concepção do cenário (de Carla Berri e Paulo de Moraes), que, apesar da concretude da espacialidade – uma rampa sustentada por rochas –, evidencia o artifício. O corpo de Winnie afunda, mas ela não parece estar sendo engolida pela terra. O sol abrasador não passa de imagem exibida numa tela. Não há a intenção de fornecer ao público uma fidedigna reprodução visual da situação-base do texto.

Paulo de Moraes não subverte a peça de Beckett. De qualquer maneira, apresenta uma proposta de leitura. O contraste entre o prognóstico trágico de Winnie e seu otimismo inquebrantável é suavizado na encenação. Mas o diretor investe em abordagem minuciosa que realça transições contidas no texto, pontuadas com sutileza na iluminação de Maneco Quinderé. Esse colorido dramático marca a interpretação de Patrícia Selonk, que não uniformiza a trajetória de Winnie, manifestada entre solilóquios existenciais e breves interações com o marido, Willie, papel feito por Felipe Bustamante (que reveza com Isabel Pacheco e Jopa Moraes). Selonk domina a palavra, qualidade minimizada na metade final do espetáculo, quando o diretor intensifica o aparato multimídia. A imagem propositadamente gasta, poluída, falha, de Winnie na tela suscita interessante articulação com a crescente ameaça à sobrevivência da personagem. Essa acentuação da imagem na tela, porém, estabelece inevitável concorrência com a presença da atriz no dispositivo cenográfico. E a música de Ricco Viana adquire interferência excessiva na cena.

A montagem de Dias Felizes proporciona ao público contato com a dramaturgia clássica, encenada com pouca frequência no Rio de Janeiro. As eventuais ressalvas ao resultado decorrem da saudável inquietação de Paulo de Moraes na transposição do texto para o palco.

Drama | Dir. Paulo de Moraes | 14 | 75'
Texto de Samuel Beckett. Com Patrícia Selonk, Felipe Bustamante, Isabel Pacheco eJopa Moraes. A partir de R$ 40

qui a sáb, 19h30 e dom, 19h | seg, 09, 19h30 | 05 a 22/jun

https://www.danielschenker.com.br/

Fundição Progresso - Rua dos Arcos, 24 - Lapa

VISÃO

PEQUENO MONSTRO

por DANIEL SCHENKER - crítico de teatro

02/jun | 2025

Firjan SESI Centro

Link para o vídeo

1992

Pequeno Monstro coloca a plateia diante do contraponto entre um discurso claro, objetivo, exposto de maneira direta, e uma concepção cênica enigmática, que estimula interpretações de quem assiste e valoriza a interface entre o teatro e outras manifestações artísticas (música, audiovisual e, em especial, artes plásticas).

O ator Silvero Pereira assina a dramaturgia centrada na questão da extrema violência traduzida em bullying e em frequentes assassinatos de crianças e jovens portadores de sexualidades que não se enquadram em normas pré-estabelecidas, massacres que, na maioria das vezes, repousam no anonimato. Silvero aborda essa tragédia perpetuada no decorrer do tempo, que diz respeito a muitos e, em particular, a ele – numa conjugação entre voz individual e voz coletiva que norteou outro solo que fez: BR Trans. Devido à preocupação em conscientizar sobre assunto tão relevante, o discurso é talvez excessivamente evidenciado.

Já na interação de Silvero com a proposta cenográfica (de Dina Salem Levy), Pequeno Monstro é uma montagem repleta de invisibilidades e desaparecimentos. Logo no início da apresentação dessa encenação dirigida por Andreia Pires, um tubo sinuoso de plástico toma conta do palco do Teatro Poeira e Silvero demora um pouco para aparecer – tubo, que, a partir de determinado instante, é simplesmente descartado pelo ator.

A cena também é composta por instrumentos de uma banda, dispostos no palco, mas sem que Silvero atue como músico – com exceção do final, ainda que o ato de extravasamento do ator seja bem mais importante do que um eventual virtuosismo musical. Antes disso, cada instrumento, distanciado de sua utilidade, é usado para simbolizar integrantes da família de Silvero.

Em dado momento, uma voz se impõe, mas sem a imagem do dono da voz, e Silvero transita por partes dos bastidores do teatro, espaços que o público não tem como acessar visualmente. Além disso, ao longo da apresentação desenhos estampam o corpo do ator. Como as imagens são projetadas, não aderem ao corpo. Somem de modo instantâneo, tanto as que se referem à sua ancestralidade quanto aquelas que caricaturam de forma preconceituosa e excludente um corpo que não segue padrões impostos.

A evocação de dolorosas lembranças possivelmente colabora para a segurança de Silvero em relação à palavra, mas a qualidade do seu trabalho, em corpo e voz, não se restringe ao atravessamento pessoal. O ator dá vazão à dramaturgia física de um corpo sufocado que transborda sem, com isso, perder o controle de sua presença em cena.

Pequeno Monstro gera alguma estranheza na oposição entre a concretude do texto expositivo – numa passagem, Silvero quebra a quarta parede e requisita a contribuição do público – e a criação estética – que resulta da articulação entre a cenografia e uma iluminação (de Sarah Salgado e Ricardo Vivian) que faz parte da espacialidade e inunda o palco com tonalidades fortes – mais aberta ao abstrato e repleta de ausências intencionais.

Monólogo / Drama | Dir. Andreia Pires | 14 | 60'
Texto e atuação de Silvero Pereira.

seg e ter, 19h
A partir de R$ 20

https://www.danielschenker.com.br/

Firjan SESI Centro - Av. Graça Aranha, 1 - Centro

VISÃO

COLUNA DANIEL SCHENKER

crítica de teatro

a partir de junho | 2025

veja todas as matérias

Link para o vídeo

2001

Daniel Schenker é jornalista, crítico de teatro e cinema, professor e pesquisador. Doutor em Artes Cênicas pela UNIRIO, leciona na CAL e colabora para o jornal O Globo. É autor do livro Teatro dos 4 - A Cerimônia do Adeus do Teatro Moderno (7Letras).

Daniel é colaborador da plataforma JáÉ!
Visite também o blog: http://danielschenker.com.br


veja todas as matérias -